Direitos Constitucionais Indígenas


Os Direitos Constitucionais dos Povos Indígenas


Todas as Constituições da era Republicana da história do Brasil, com exceção a Constituição de 1891, reconheceram aos povos indígenas direitos sobre nossos territórios efetivamente habitados. Tais textos assim dispunham, literalmente, sobre o assunto:

Constituição de 1934:
“ Art. 129: Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las” .

Constituição de 1937:
“ Art. 154: Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter permanente, sendo lhes, no entanto, vedado aliená-las”

Constituição de 1946:
“ Art. 216: Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem”

Constituição de 1967
“ Art. 186: É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes”

Emenda Constitucional no. 1/69
“ Art. 198: As terras habitadas  pelos silvícolas são inalienáveis nos termos em que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas e de todas as utilidades nelas existentes”

A Constituição Federal de 1988, no entanto, além do reconhecimento aos direitos territoriais, trouxe importantes inovações no tocante ao re conhecimento dos direitos indígenas como um todo. É preciso lembrar que, desde os primórdios do processo de colonização brasileira, o Estado encarregou-se de determinar as regras sobre as relações entre a sociedade e os povos indígenas, sempre guiado pelo pressuposto de que nós índios estávamos fadados a perder nossas identidades, e iríamos nos transformar em membros regulares da sociedade nacional.

Portanto, todas as políticas governamentais tinham por objetivo a nossa integração à economia nacional e a nossa assimilação pela sociedade envolvente.

Foi somente com a Constituição de 1988 que a visão limitada vigente no país se modificou, assegurando a nós povos indígenas o respeito à nossa organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Com isso, pela primeira vez reconhece-se aos índios no Brasil o direito à diferença; isto é, o direito de sermos indígenas e de permanecermos como tal indefinidamente.

A Constituição de 1988 inovou em todos os sentidos, estabelecendo, sobretudo, que os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são de natureza originária, ou seja, que nossos direitos são anteriores à formação do próprio Estado brasileiro, existindo independentemente de qualquer reconhecimento oficial. Assim reza, portanto, o caput do seu artigo 231:
“ São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” .

Vale ressaltar que texto em vigor eleva à categoria constitucional o próprio conceito de terras indígenas, que assim se define, no parágrafo 1º deste mesmo artigo:
“ São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.

Isto quer dizer que o reconhecimento feito pela Constituição de 1988 é no sentido de afirmar que presentes os elementos necessários para definir uma determinada Terra como indígena, o direito à ela por parte da sociedade indígena que a ocupa, existe e se legitima independentemente de qualquer ato constitutivo. A demarcação de uma terra indígena, fruto do reconhecimento feito pelo Estado, portanto, é ato meramente declaratório, cujo objetivo é simplesmente precisar a real extensão da posse para assegurar a plena eficácia do dispositivo constitucional, que impõe ao Estado a obrigação de protegê-la.

Dessa forma, a Constituição Federal finalmente reconhece que nós povos indígenas somos os primeiros senhores de fato e de direito dessa terra chamada Brasil.

A Constituição de 1988 também reconhece a nós indígenas:

·         O usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas;
·         Que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos aí os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas, só podem ser efetivados com a autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra;
·         A garantia da inalienabilidade e indisponibilidade das terras indígenas e a imprescritibilidade dos direitos sobre elas;
·         Proibição da remoção dos índios das suas terras;
·         A nulidade de todos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas;
·         A legitimidade dos índios, suas comunidades e organizações para ingressarem em juízo em defesa de seus direitos e interesses.

Todos esses direitos estão inscritos no capítulo VIII. “ Dos Índios” , do título VIII. “ Da Ordem Social” , da Constituição brasileira de 1988, fruto de imenso trabalho de índios, antropólogos, advogados e militantes durante todo o processo de sua elaboração.

Para nós indígenas brasileiros, a Constituição Federal de 1988 assegura enfim a base legal de nossas principais reivindicações. Sabemos, no entanto, que há ainda um longo caminho a percorrer.

A realidade brasileira demonstra que ainda nos resta a difícil tarefa de fazer garantir, na prática, o respeito a nossos direitos constitucionais diante dos mais diversos interesses econômicos, que, poderosos e quase sempre sem escrúpulos, teimam em ignorar a nossa própria existência.

Assegurar plena efetividade ao texto constitucional é o nosso desafio. Isso cabe principalmente a nós indígenas , mas também às nossas organizações, entidades de apoio, universidades, Ministério Público, governo e outros mais. Sabemos que se trata de um processo lento, que passa pela tarefa de reeducar a própria sociedade nacional e seus mais diversos componentes.

E o êxito dependerá necessariamente do grau de comprometimento diário nesta direção por parte de todos nós que atuamos nessa questão.